03 agosto, 2008

Plantinhas e Combustíveis



Ultimamente todos querem desesperadamente colocar sementinhas sob um punhado de terra, como se só isso fosse nos salvar.


Não costumo ser pessimista, porém, mesmo que nossas unhas estejam cheias de barro e os nossos terrenos cheios de mudas, o planeta continuará a aquecer, ar e água continuarão a faltar.
As árvores têm sim sua função na conservação da biodiversidade, e por isso apoio essa nobre empreitada. Porém, não posso deixá-los se enganarem.


Nosso grande vilão é o combustível fóssil, um grupo que abrange carvão mineral, petróleo e gás natural, do qual estamos tão dependentes que é o seu preço que regula todo o mercado financeiro mundial.


O gás natural, apesar da forte propaganda que o diz “menos poluente”, produz gás carbônico como os outros combustíveis fósseis, apesar de não produzir tanto monóxido de carbono como o carvão mineral ou os outros derivados de petróleo.


O combustível fóssil é o dejeto da natureza. Todas aquelas moléculas orgânicas que estão enterradas foram rejeitadas pela natureza no decorrer de milhões de anos. Não é necessário ser engenheiro e fazer complexos balanços materiais para perceber que se o homem continuar a desenterrar o carbono muito mais rápido do que a natureza consegue enterrar, em pouquíssimo tempo a atmosfera não será mais apropriada para nenhuma forma de vida aeróbia. E para nada adiantarão as árvores.


Por isso, ao invés de só plantar mudinhas, devemos incentivar a produção e o uso de biocombustíveis. Estes, também liberam gás carbônico na queima, mas o carbono destes combustíveis faz parte do ciclo biológico e é rapidamente renovado, não culminando num acúmulo na atmosfera.


Porém, mesmo se parássemos de queimar combustível fóssil hoje, até o final deste século ainda sofreríamos com as conseqüências da poluição que geramos desde a Revolução Industrial.
Estamos bem atrasados e nem um pouco preocupados em resolver o real problema... Que Deus nos proteja!

É mais fácil colocar a culpa do efeito estufa no desmatamento do que se arriscar a enfrentar os poderosos donos do petróleo.

24 abril, 2008

Gueixa



Não era japonesa. Sua pele não era alva como neve. Seus olhos não eram amendoados. Seus traços, o tom da sua pele, a cor da sua boca, o nariz adunco e os grandes olhos castanho-esverdeados vieram até ela pelo Mediterrâneo, perpetuados há pelo menos cinco gerações.
Não era minimalista como os orientais e sim trazia o exagero dos antepassados.
Nunca vira seda, portanto sequer fazia idéia da delicadeza e preciosidade deste tecido do qual eram feitos os mais ricos quimonos.
Não era filha de gueixa, não crescera num okiya, não fora educada para as artes que uma gueixa deve conhecer e para as habilidades que deve ter como artista.
E, apesar de tudo isso, não deixava de possuir muito do que uma gueixa tem.
A função de uma gueixa, resumidamente, consiste em entreter, fazer com que homens se divirtam – não no sentido carnal, como a maioria de nós, ocidentais, imagina.
Assim como a uma gueixa cabe agradar, cabia à ela fazer com os homens (no caso dela só havia um homem) se interessassem, a achassem bela, misteriosa, respeitável, inteligente e frágil, tudo ao mesmo tempo.
Mas ser uma gueixa não era tarefa fácil. Era ainda mais difícil para ela, que não recebera treinamento desde a infância, que não possuía lindos quimonos e obis de seda, não usava um penteado elaborado e uma maquiagem delicada. Ela não tinha tempo nem dinheiro para refinar-se. Arrumava os cabelos com pressa e raramente pintava seu rosto para tornar-se admirável.
Na verdade, o que a aproximava de uma gueixa eram as atitudes, os sentimentos. A submissão, a preocupação em agradar e ser interessante. Para fazer seu danna feliz ela tinha de se modificar, deixar de lado suas futilidades, calar suas pequenas reclamações e aceitar.
Mesmo não sendo uma gueixa, ela agiria como uma, pois de certa forma nascera assim e já não havia como mudar este seu lado resignado. Ela tinha que parecer feliz para levá-lo à felicidade, embora por dentro nem tudo fosse tão ameno e belo.
Quem sabe o futuro fosse melhor.

PS.: Texto escrito após leitura de Memórias de um gueixa, de Arthur Golden.




Imagem: Dennis Stock. Geisha. Japão, 1956. Magnum Photos.

22 abril, 2008

Doçura


Aquela pequena criatura que a recebia sempre feliz é o que a faz ter um motivo para sorrir.
Quando abriu a porta e largou a mochila foi o pequenino que veio abraçá-la.
Foi ele, criaturinha fofa, que foi com ela até o quarto e ajudou a desfazer a mala e a colocar um pouco de ordem nas coisas.
Foi o bouai que falante a alegrava e fazia sentir como era bom estar de volta. O menino ainda guardou a mochila vazia na gaveta e disse: “Agora cabe aqui, né?”, como se sentisse certo alívio por saber que a mochila estava vazia e que ela não ficaria mais longe.
Buscou chocolate e disse que era dos dois, do Rique e da Sara. Guardou a escova de dentes dela e depois foram juntos brincar.
Ficou tarde e ela decidiu que os dois precisavam de um banho. Juntos foram preparar o banho, primeiro o dele. Ligou o chuveiro e a banheirinha começou a se encher de água morna. Tirou o papapá e mais as roupinhas e lá foi ele faceiro pegar os brinquedos do banho.
Pra alegria maior dele havia um brinquedo vivo, um “jacaré” – que nada, era só uma lagartixinha – que se converteu na principal atração do banho. Depois do sabonete, esponja e xampu que não arde os olhos, veio a melhor parte. Com a coragem dos pequeninos, o bouai foi lá e pegou a lagartixa para colocá-la num potino (traduzindo: potinho).
Ela não conseguia acreditar naquilo, começou a rir muito. O bebê estava eufórico, mas a lagartixa teve que ser salva, porque senão a coitada ia morrer afogada. Terminado o banho, vestiram o pijama e partiram para ritual de adormecer.
Primeiro a dedê (mamadeira), depois o pedido mais fofo: “Vamos ninir com a Sara?”. É impossível recusar um pedido vindo de uma criatura tão doce. E lá foi ela, desligou a TV, pegou o travesseiro, ajeitou o pequenino em sua cama e deitou ao lado dele. Depois de muito falatório o pequenino adormeceu com afagos no cabelo e ela também, sentindo-se a pessoa mais abençoada do mundo por ter aquele anjinho do seu lado.
Imagem: M.C. Escher. Cada vez menor.

14 abril, 2008

Reflexão


Há momentos em que a felicidade é tanta, que chega a parecer irreal.
O difícil nessas horas é segurar as desconfianças e acreditar que tudo vai continuar perfeito.
E a incredulidade desperta o sentimento de que aquela felicidade não lhe é merecida.
E os segredos já não servem para manter as coisas funcionando como antes.
Porque antes, tudo era tranqüilo, tudo era emoção pura e alegria que calava.
Quando a insegurança acorda e traz com ela as coisas ruins de outrora. E a insegurança volta pior, muito pior.
Os olhos passam a abrir com mais freqüência.
Os ouvidos ficam atentos.
O cérebro capta mensagens que antes sequer percebia.
E de repente tudo o que era alegrias enfraquece. E a culpa disso, vem de dentro. Vem de achar que aquela felicidade não pode ser real. Vem do medo de que quando menos esperar aquele mundo de sonhos termine.
Então, ela passa a boicotar sua própria felicidade. Ou será que percebe que aquela felicidade não é tão real quanto imaginava?
E ao olhar-se no espelho percebe que já não há alguém que conhece ali, do outro lado, ao inverso. Ela tem medo de reconhecer que há uma estranha morando nela. Teme ainda que seja tarde demais para tentar entender a desconhecida.

Imagem: René Burri - Kun Ming Hu Lake, Summer Palace, Beijing, Chine. Magnum Photos.

08 abril, 2008

Poarim



Pobre ozio, aqui está abandonado.
Se o
Ozio está assim, paradinho, significa que já não temos tempo de ócio.
Criativo então, só se em sonhos.
Prometo que vou tentar cuidar melhor desse lugar.
Afinal, que graça tem a vida se não for pra se dar um tempo pra pensar nela? Ou melhor, que sentido há em viver sem se deixar perder nas voltas pensamentos que dá?

PS. : Poarim, é coitadinho em italiano. É assim que a nona me chama às vezes. Poarina...vou lá ver ela agora!
Imagem: M.C.Escher. Morano, Calabria.

11 março, 2008

Pedaços de noite


Quando chegou em casa, já era quase meia-noite. Guardou as chaves do carro, a bolsa, descalçou as sandálias. Pegou uma xícara de café na cozinha e foi para a sala ligar a televisão. Tomou cuidado para não fazer barulho, pois toda família já dormia há um bom tempo.
Sentindo um frio na barriga se aproximou da janela que refletia sua imagem de maneira disforme. Abriu a janela, que rangeu, pois já não era tão nova quanto há onze anos, quando viera morar naquela casa novinha em folha. Arregalou os olhos e, muito devagar, colocou a cabeça fora da janela. Notou que a noite estava fresca e que o céu parecia de inverno, negro e cravejado de estrelas.
Não havia nenhum barulho humano vindo das ruas. Só podia escutar os teares das várias fábricas que ficavam do outro lado do rio, não muito longe da sua casa. Da grama do quintal vinham as singelas cantorias dos grilos e cigarras. Esperava ansiosa pela aparição da coruja. Mas esta, só ouviu piar de longe, assim como ouviu o grito esganiçado dos quero-queros que vivem nos arredores.
De repente, no meio do sossego da noite, ouviu um barulho parecido com uma sirene de um filme de terror. Não gostava de filmes de terror e não entendia porque as pessoas pagavam para sentir medo nos cinemas. O som da sirene foi se aproximando e vinha acompanhado de luzes piscando. Que boba, era apenas o caminhão do lixo com seus valorosos atletas. Correm, pegam o peso do que as pessoas não querem mais, arremessam na caçamba e pulam no caminhão mais uma vez. Desse jeito, sempre igual, inúmeras vezes por dia.
O caminhão do lixo se afastou e ela olhou com atenção para o morro, que servia de pasto para o pequenino rebanho que o nono tivera. Quando criança, costumava brincar ali. Agora, no topo do morro gramado havia duas casas enormes e o nono, estava muito velhinho. Mas o enorme araçazeiro que ele deixou crescer continuava no centro do morro, fazendo com que ela recordasse da sensação de liberdade que aquela colina trazia e de como era maravilhoso ser criança.
PS.:Texto feito de
uma observação noturna para a disciplina de Técnicas de
Reportagem, Entrevista e Pesquisa Jornalística II.
Imagem: Vincent Van Gogh. A noite estrelada, 1889.

08 março, 2008

Minha carta de intenções



Decidi me resgatar e submergir desse lago de águas paradas que tenho sido ultimamente.
A partir de hoje, prometo ser fiel a mim mesma e ao que acho correto.
Juro respeitar o que sou e evitar me diminuir. (Afinal de contas, já sou pequena, se me encolher, desapareço.)
Comprometo-me a olhar mais para o que sinto e me dou permissão para mudar sempre que achar apropriado.
Prometo não ocultar minhas dores para manter a aparência de que tudo está certo.
Permito-me ainda, ser menos contida e a dizer minhas verdades sempre que achar necessário.
Enfim, volto a meu eu.

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Aqui, uma pequena homenagem a nós, mulheres:

Pagu

Rita Lee - Zélia Duncan

Mexo remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão

Eu sou pau pra toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Minha força não é bruta
Não sou freira nem sou puta

Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito "home"

Sou a rainha do meu tanque
Sou Pagú indignada no palanque
Fama de porra-louca, tudo bem
Minha mãe é Maria Ninguém
Não sou atriz-modelo-dançarina
Meu buraco é mais em cima

Nem toda feiticeira é corcunda
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito "home"


Feliz Dia Internacional da Mulher!
Isto porque, como diz a Karis, somos todas divas!

Imagem: Pablo Picasso. Les demoiselles d'Avignon, 1907.